terça-feira, 22 de dezembro de 2009

CARTA DO CARDEAL-PATRIARCA DE LISBOA AOS PÁROCOS E ÀS COMUNIDADES CRISTÃS DO PATRIARCADO DE LISBOA

Irmãos e Irmãs,

A propósito da aprovação pelo Governo do Projecto de Lei sobre o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a apresentar à Assembleia da República, um jornal diário da capital noticiou em título que o Patriarca de Lisboa, num encontro com o Primeiro-Ministro, celebrou com ele um “pacto”, subentendendo nesse título uma certa condescendência da Igreja com o referido Projecto-Lei. Dada a gravidade da insinuação que deixou perplexos muitos católicos, dirijo-vos esta carta para esclarecer o que realmente se passou.

1. O Patriarca de Lisboa encontrou-se, de facto, com o Senhor Primeiro-Ministro, a pedido deste, no dia 20 de Outubro. Ficou assente entre ambos que não haveria declarações para o público sobre os assuntos nele abordados. O Patriarca de Lisboa foi fiel a este compromisso de discrição. Consideramos perfeitamente normal que, apesar do ordenamento constitucional de separação da Igreja e do Estado, que não exclui o princípio da cooperação confirmado na Concordata, haja momentos de diálogo entre os Órgãos de Soberania e a Hierarquia da Igreja. Esses encontros são, por natureza discretos, dada a consciência mútua de que a Hierarquia da Igreja não quer imiscuir-se na esfera política e na área de competência do Estado e dos seus Órgãos de Soberania.

2. O encontro noticiado, o primeiro entre o actual Primeiro-Ministro e o Patriarca de Lisboa, foi uma troca de impressões sobre diversos aspectos da nossa sociedade actual, da qual a Igreja faz parte enquanto comunidade particularmente significativa. Acerca de nenhum dos pontos abordados nesse encontro, houve “pactos” ou “compromissos”. Ambos os interlocutores estavam conscientes da especificidade das instituições que representavam. Nem o Senhor Primeiro-Ministro sugeriu nenhum “pacto”, nem o Patriarca de Lisboa podia assumir qualquer compromisso que significasse, ainda que indirectamente, o condicionamento da liberdade da Igreja de afirmar a sua doutrina acerca de qualquer problema da sociedade portuguesa.

3. O assunto referido pela comunicação social, a possível legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, foi realmente abordado. Mereceu um intercâmbio de perspectivas sereno e franco. O Senhor Primeiro-Ministro afirmou a sua determinação em avançar com o Projecto, o Patriarca de Lisboa reafirmou a posição da Igreja e a disposição de a afirmar publicamente quando achasse oportuno e pelos meios próprios da sua intervenção pastoral, direito da Igreja que o Senhor Primeiro-Ministro claramente reconheceu.

4. A Hierarquia da Igreja mantém, assim, toda a liberdade de anunciar a sua doutrina acerca desta questão e fá-lo-á quando achar oportuno e pelos meios consentâneos com a sua missão. A Igreja reconhece a legitimidade legislativa do Estado, mas não deixará de interpelar a consciência dos decisores e de elucidar a consciência dos cristãos sobre a maneira de se comportarem acerca de leis que ferem gravemente a compreensão cristã do homem e da sociedade.

A Hierarquia da Igreja usará os meios e os modos consentâneos com a sua missão: proclamação da sua doutrina e o diálogo com pessoas e instituições para o qual está sempre disponível. Não consideramos consentâneas com a missão da Hierarquia formas públicas de pressão política que os cristãos, no exercício dos seus direitos de cidadania, são livres de promover ou de nelas participar.

5. A doutrina da Igreja acerca do casamento entre pessoas do mesmo sexo é conhecida. Nesta circunstância concreta, é, certamente, ocasião de explicitar claramente os seus fundamentos. Está em questão uma alteração grave da compreensão antropológica do casamento, da sua dimensão institucional baseada num acordo celebrado entre um homem e uma mulher, constituindo, assim, uma família, célula base da sociedade. Esta concepção do casamento e da família está, desde sempre, expressa em todas as culturas, porque radica num elemento basilar da verdade da natureza.

Não se trata, nesta circunstância, de tomar posição sobre as pessoas homossexuais; a doutrina da Igreja, marcada pela verdade e pela caridade, está claramente expressa. Trata-se, isso sim, de salvaguardar a verdade acerca do casamento e da família.

A Encarnação do Verbo de Deus, que estamos a celebrar no Natal, exige de nós a firmeza da verdade e a bondade da caridade.

Desejo a todos um Santo Natal.

Lisboa, 21 de Dezembro de 2009

† JOSÉ, Cardeal-Patriarca


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