Na missa de Quarta-Feira de Cinzas, com que inicia a período de preparação da Páscoa, chamado Quaresma, o sacerdote impõe cinzas na cabeça dos fiéis cristãos. Com este rito, expressam-se duas ideias: somos criaturas mortais, frágeis, que «viemos do pó e ao pó voltaremos» (ler Génesis 3, 19); e somos chamados a converter-nos ao Evangelho de Jesus, mudando o que na nossa maneira de pensar e de agir não está de acordo com Ele.
O uso das cinzas no contexto de ritos religiosos é referido na Bíblia em vários livros que compõem o Antigo Testamento. Por exemplo, o autor do Livro de Ester narra que Mardoqueu – primo de Ester, judeu piedoso – se veste com um saco e cobre-se com cinzas quando soube do decreto do rei Asuer I da Pérsia (ano 485 a 464 a. C.) que condenou à morte todos os judeus de seu império (lê Ester 4,1). Aqui as cinzas simbolizam dor, morte e penitência. Mardoqueu entende que Deus permite o decreto do rei porque o povo pecou e confia que Ele mudará de atitude se o povo se emendar.
No Livro de Job – cujo enredo foi escrito entre os anos 7 e 5 a. C., diz-se que este mostrou o seu arrependimento cobrindo-se com cinzas (Job 42, 6). Também o profeta Daniel, por volta do ano 550 antes de Cristo, ao profetizar a conquista de Jerusalém pela Babilónia, escreveu: «Voltei-me para Deus a fim de lhe dirigir uma oração de súplica, jejuando e impondo-me o cilício e a cinza» (Daniel 9, 1-27). A intenção do profeta é conquistar o perdão divino para todo o povo. E, no século v antes de Cristo, logo depois da pregação do profeta Jonas, o povo de Nínive jejuou e vestiu-se com sacos, inclusive o rei, que além disso, deixou o trono e foi sentar-se sobre cinzas (Jonas 3, 1-10). Todos estes exemplos sublinham o uso das cinzas como símbolo – algo que todos compreendem – de arrependimento.
O ENSINAMENTO DE JESUS
Jesus Cristo fez referência ao uso das cinzas. Uma vez, quando falava às multidões, referiu-se aos povos que recusavam arrepender-se dos seus pecados, apesar de terem escutado a Boa-Nova, avisando: «Ai de ti, Corozaim! Ai de ti, Betsaida! Porque, se os milagres realizados entre vós tivessem sido feitos em Tiro e em Sidón, há muito elas se teriam arrependido, vestindo-se com sacos e impondo-se as cinzas» (Mt 11,21).
A Igreja Católica, desde os primeiros tempos, continuou a prática do uso das cinzas com o mesmo simbolismo de arrependimento. O pensador Tertuliano (ano 160 a 220) prescreveu que um penitente deveria «viver sem alegria, vestido com um tecido de saco rude e coberto de cinzas». Eusébio, historiador dos primeiros anos da Igreja, (ano 260 a 340), relata na sua obra «A História da Igreja», como um renegado, chamado Natalis, se apresentou vestido de saco e coberto de cinzas diante do Papa Zeferino para lhe suplicar perdão.
Até ao século XI, todos aqueles que queriam receber o sacramento da reconciliação deviam tornar-se penitentes públicos. Depois da confissão em privado dos pecados, perante o bispo ou um sacerdote, deviam cumprir a penitência que lhes era imposta. Esta consistia em jejuar, vestir-se com roupas de luto e não ter qualquer cuidado com a beleza do corpo. Os pecadores, homens ou mulheres, começavam oficialmente o tempo de penitência pública com a imposição das cinzas no decorrer de uma celebração. Este tempo acabava na Quinta-Feira Santa, e o bispo reintegrava-os na comunidade cristã mediante um rito de reconciliação.
Depois do século XI, começou-se a impor as cinzas a todos os fiéis e a penitência pública foi sendo substituída pela confissão particular.
O saco e as cinzas eram símbolos que representavam os sentimentos de aflição e de arrependimento, bem como a intenção de fazer penitência pelos pecados cometidos contra Deus. Com o passar do tempo, restou apenas o uso das cinzas, adoptou-se a confissão individual e instituíram-se três práticas como prova de adesão às virtudes cristãs: a oração mais intensa, o jejum alegre e a esmola generosa. Actualmente, usam-se na imposição as cinzas dos ramos de palmeiras distribuídos no Domingo de Ramos do ano anterior. O sacerdote abençoa as cinzas. Depois, traça com elas uma cruz na fronte de cada fiel. E pronuncia uma das fórmulas: «Lembra-te que és pó e em pó te hás-de voltar» ou «Arrepende-te e crê no Evangelho».
Com este rito penitencial, os fiéis confessam exteriormente a sua culpa diante de Deus e assumem o propósito de conversão interior. Os olhos fixam-se em Jesus Cristo, que sofreu, morreu e ressuscitou pela nossa salvação.
FERNANDO FÉLIX
Fonte: Audácia